Nunca foi amor, mas insiste tanto em ser
Estava a pensar em não vir. No fundo, estou a pensar nisso até agora. Mas fico aqui, com cara de taxo, olhando as tuas coisas bagunçadas, os meus neurónios bagunçados, o meu coração bagunçado, o meu vestido bagunçado e tudo que estava quase arrumado em mim se confunde num segundo quando ele se aproxima como quem já aceitou casar comigo, mas não disse “sim”. Apenas me mira com sorriso de bobo me revirando ainda mais. Uma grata desgraça.
Eu não queria vir. Na verdade, eu queria. Eu não queria era vir aqui, me apaixonar mais ainda e ter que ir embora sozinha. Porque sempre que venho, ele entra em mim, mas não mora. Ele me abraça, mas não me prende. Ele é meu par, mas não meu companheiro. Ele se deita, mas não fica. E eu continuo aqui sozinha mesmo sendo dois. Solidão besta. Não é fácil gostar dele. Já quis o matar tantas vezes. Mas ainda não morri.
Juro que vou embora antes mesmo dele entrar no banho. Mas ele sem camisa parece um canto sagrado. Mesmo com as leves marcas de queimadura na barriga só porque não sabe nem fritar um bife sem se machucar. Ele me pede faz-um-lanche? e eu já proponho banquete nupcial. Ele me pede umas horas no dia e eu já quero décadas juntos. Ele me pede um tiquinho de qualquer coisa e eu já venho com temporadas completas. Deve ser isso. Meu erro é mergulhar de cabeça, enquanto ele ainda molha os tornozelos. Quero saltar do avião e ele deseja apenas uma companhia para quando estiver nas nuvens. “Eu quero meter”, ele diz. “Eu quero te ter”, penso.
Nunca foi amor, mas insiste tanto em ser.
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